O reitor respondeu que a respeito das sezões e dos leicenços acreditava mais na lanceta e no sulfato de quinino. Depois, acrescentou: - deus fez o supremo milagre da ciência para centuplicar as forças à natureza enfraquecida. - o teólogo enrugou cientificamente a cara cheia de suspeitas e replicou: - o senhor reitor foi ferido da peste do século. Está iscado de Voltaire e de Alexandre herculano. Deixou-se contaminar. Mundifique-se. Estude mais e melhor. - O reitor de Caldelas afastou-se triste, e nunca mais frequentou o púlpito.
Estas informações e o aspeto lhano, harmónico do padre, animaram-me a dizer-lhe que solicitara o seu conhecimento para lhe pedir alguns esclarecimentos a respeito de uma carta encontrada num livro que pertencera ao seu condiscípulo José dias de Vilalva. - recorda-se? - perguntei.
- Se me recordo do meu pobre José dias! Pois não recordo? Parece-me que ainda sinto neste braço o peso enorme da sua face moda, e já lá vão trinta e cinco anos. É preciso ter na alma dolorosas reminiscências para se recordar um amigo morto há tantíssimo tempo, não lhe parece? Como sabe você que existiu esse obscuro filho de um lavrador?
Mostrei-lhe a carta. O padre olhou para a assinatura, gesticulou afirmativamente, e, após uma breve pausa de recolhimento com as suas recordações, disse:
- Fui eu que pus esta carta entre as páginas de um livro dos dias. O meu pobre condiscípulo, quando este papel lhe foi mandado à cama, já não o podia ler. Tinha caído no torpor, na indiferença que, a meu ver, é a compaixão da providência pelos que morrem amando e não querendo morrer. Já não via a vida nem a morte. Li esta carta; e, como ele nada me perguntou, eu nada lhe disse... Agora me recordo perfeitamente. Era um comento de Horácio que eu lia nos seus intervalos de modorra, a fim de dar ao meu ânimo uma folga que me fortalecesse para resistir ao golpe final.