O abade muito aflito:
- Suba depressa vossa majestade que eu ajudo por cima das pipas e deixe-se escorregar para o lado de lá. Cosa-se bem com a parede; se vierem revistar, não se bula, não se bula, senhor!
O homem ficou em cega escuridade. Quando resvalava com as costas pela parede, as teias de aranha despegavam-se dos vigamentos de que pendiam, enrodilhavam-se-lhe viscosas ao nariz e aos beiços. Ele sacudia-as, cuspinhava com nojo, queria acocorar-se, mas não cabia. Ouvia rojos de ratazanas por debaixo das pipas, e lá fora o rodar das portas que se escancaravam com estridor.
Em cima, o sargento e três soldados entraram e examinaram vagarosamente os quartos e recantos.
- Senhor abade, ponha para aqui o rei - disse o sargento, um farsola, o pílula do 8 - queremos o rei e algumas botijas de genebra. A garrafeira da casa real deve ser coisa muito rica! Venha primeiro o Sr. D. Miguel, que lhe queremos fazer uma saúde.
- O senhor está a mangar! - disse o abade afinando pelo tom da chalaça. - genebra, se a querem, dou-lha; mas a respeito de rei, só lhe posso dar o de copas, que tenho ali um.
- Pois sim, traga o rei de copas, e não será mau que ponha em guarda também o ás do mesmo naipe.
- Dá-se-lhe já duas biqueiras neste padreca, ó meu sargento! - propôs o 24.
- Deixa ver se a coisa se arranja sem biqueiras. Ande lá, senhor abade, vamos à genebra, à adega. Mexa-se.
- A genebra está cá em cima - observou o abade um pouco enfiado.
- Mande-a ir para baixo, que é mais fresco. Mexa-se, mexa-se que temos pressa. Abra a porta da adega.
- Sim, senhor, abro tudo o que vossemecê quiser - resoluto, com um ar irónico de condescendência, sem receio. - os senhores têm coisas! Onde diabo procuram o Sr. D. Miguel! - e descia, pedindo a chave à senhorinha.