aurora quando a passarada do arvoredo se esvoaçou piando, alvorotada pelo estrondo das coronhadas à porta principal, e uns berros formidáveis:
- Abra! Abra! Senão vai dentro a porta!
O abade saltou da cama, espreitou por uma fresta das portadas, e viu um cordão de soldados, a olharem para as janelas, e com as baionetas nas espingardas. Correu descalço para a sala contígua à alcova do hóspede, e encontrou-o no meio da quadra, em fralda, a enfiar as calças, quase às escuras, com a respiração ansiada.
- Que é? - regougou o homem numa estrangulação de susto, muito ofegante.
- Tropa, senhor, tropa! Fuja depressa, que eu vou esconder vossa majestade na adega antes que arrombem a porta.
As coronhadas e as intimações ameaçadoras repetiam-se. Uma algazarra de inferno. Vozes roucas pediam machados e ferros do monte. A senhorinha, muito esganiçada, expetorava agudos ais na cozinha; não acertava a enfiar o saiote pelo direito. Os cães de castro laboreiro, muito ferozes, arremetiam às portas com a dentuça refilada. Porcos grunhiam dando bufidos espavoridos. A jovem dos recados chamava a sua mãe santíssima e a alma da tia Jacinta do Reimundles, que estava inteira na igreja. Dois criados da lavoura, estranhos ao segredo do real hóspede, como estavam recrutados, cuidaram que a tropa os vinha prender; enterraram-se nos fenos do palheiro, prometendo esmolas de quartinho ao bom jesus do monte e ao mártile são trocatles, se os livrassem daquela. Entretanto, o outro, de chinelos de tapete, guiado pela mão do abade até à cozinha, passou daqui para a adega, que a criada abriu com muita subtileza. Havia lá dentro um recanto encoberto por duas pipas vazias, postas ao alto; pela convexidade das aduelas e entre as pipas e a parede, abria-se um vácuo onde cabia à vontade um homem.