O Retrato de Ricardina - Cap. 15: CAPÍTULO XV - COMO O SENTIMENTO DA GRATIDÃO FEZ UM TIGRE Pág. 99 / 178

- Olha que chefe nos deu o Sr. Abade!

- Estão aqui estão fora da lura - disse o Rolhas inventor do incêndio. - Agora repartam-se vocês pelas portas da casa... Olha como eles perdem tiros! Que bestas! - E notava judiciosamente o de Midões, ouvindo o estampido quase perpendicular, e o chofrar das balas num tanque próximo, onde se espelhavam as labaredas das medas.

O que fizera a zombeteira observação caiu fulminado por um pelouro que lhe vazou o ventre. O tiro não podia ser feito de cima. A pontaria vinha de frente.

- Olha que nos atiram do lado de além! - disse Frazão, apontando para um arvoredo mais entenebrecido aos olhos deles, aproximados das fogueiras.

- Já por ai está povo!

Correram cinco em direção do bosque. Não viram nada. Norberto Calvo internara-se entre uns choupos, a cevar um dos dois canos despejados da sua clavina. Estava contente da pontaria; mas o coração retalhava-se-lhe a cada lufada de fumo que golfava das frestas do palheiro. Pensava ele que Ricardina estava ali; e, no meio dos ímpetos ferozes que lhe saíam à flor da cara em suor de sangue, pedia à Virgem do Céu que salvasse a sua ama.

Já não eram rolos de fumo, senão de chamas, que iam rompendo o sobrado do primeiro andar, estalando os fechais, os bafrotes e o vigamento. Os Monizes e os criados estavam no segundo pavimento, e só repararam do fogo quando a fumarada toldou o ar e lhes ofegou a respiração. As serpentes de lume, já enroscadas nas alfaias do primeiro andar, medravam nas tintas e óleos, crepitando.

Às vezes, pensavam que as portas fendidas a machado abriam fenda ao roldão dos invasores. Enganavam-se. Era o fragor dos móveis a ruírem nas lojas, assim que as traves estalejavam. Os sinos tangiam sem cessar; mas o povo, aconchegado





Os capítulos deste livro