- Roubaram-me as filhas? Perverteram-mas, fizeram-lhes odioso o seu pai, que as enriqueceu? Pois bem: hão de pagar-mas caras eles e elas. Enquanto eu tiver gota de sangue, hei de cuspi-lo na cara de quem envergonhou a minha. Oh, se hei de!... Eu sou Botelho de Queirós, por pai e mãe. Vão a Amarante saber como até as mulheres da minha família se vingam ... Os covardes, se começarem nesta ilustre linhagem, não há de ser por mim.
Norberto era auditório indigno do trágico monólogo. Esbugalhava os olhos a ver se lhe atinava com o intento, ou, mais sobre o certo, imaginava o que havia de fazer para arrancar Ricardina de casa dos Pimenteis. O que mais lhe urgia era poder falar-lhe ou conseguir que a mãe a visse. Aproveitando o lanço favorável, enviou a velha à Reboliça. Era já noite. A velha voltou dizendo que todas as portas estavam trancadas. Norberto saiu, fora de horas, e afoitou-se a vizinhar das solarengas torres dos Pimenteis, afortalezadas com duas peças de artilharia e as suas atalaias que sobrerroldavam, na incerteza do ataque. A distância de vinte passos trovejaram-lhe um quem vem lá! Como ele não respondesse, silvou-lhe uma bala por cima da cabeça, escodeando a cortiça de um sobreiro, cujas lascas lhe roçaram as barbas. Desanimou Norberto Calvo, e retrocedeu dizendo entre si:
- Se estes diabos me matavam, quando eu ando aqui só para fazer bem!
Ao outro dia, Sebastião Pimentel, intimados os caseiros para guarnecerem a casa, enviou um mensageiro ao abade com a seguinte nota: “Que D. Ricardina de Queirós já não residia naquela casa. Que o entregarem-na a um pai cego de ódio seria ação reprovada e indigna de Pimenteis. Que o conservarem-na, também impugnava ao seu pundonor. Pelo que, deliberaram enviá-la para mais de cinquenta léguas de distância, e tomavam ao seu encargo dar-lhe os necessários alimentos, no mosteiro onde ela provavelmente ia recolher-se.