- Pessoa conhecida ou desconhecida que bata ao portão, não entra sem que eu esteja em casa, entendes?
- Sim, senhor.
- De noite, dá-me duas voltas em redor da casa e da parede do passai. Se enxergares vulto de que desconfies, segura-o ou atira-lhe, entendes?
- Sim, senhor. Então há novidade de maior, Sr. Abade?!
- Escusas de saber mais nada.
- Perdoará, Sr. Abade... eu perguntava... porque enfim... vossa senhoria cá comigo nunca teve aquelas de segredos.
- Faze o que te digo.
E voltou as costas ao criado com fidalgo orgulho, agastado da liberdade da pergunta.
Norberto, ao soar das ave-marias, estava sentado junto do gradeado de madeira onde Ricardina criava perus, e costumava levar, ao entardecer, urtigas e ovos cozidos. Ia sozinha.
- Queria falar-lhe, fidalga - disse Norberto, espreitando que o não vissem - Eu vou dizer-lhe o que quero pelo outro lado das grades.
Rodeou e sumiu-se entre um loireiral que formava teto de folhagem sobre a capoeira. Ricardina cingiu-se às ripas do gradeado e escutou:
- O Sr. Abade esteve a dizer que a menina havia de ir para um convento pobre, e disse coisas do diabo do Sr. Bernardo Moniz. Se for preciso alguma coisa, o Norberto está aqui. Ele mandou-me agarrar ou atirar, se visse alguém de noite cá por perto das paredes. A fidalga esteja descansada, que eu não lhe faço mal, se for ele. Estou pronto para tudo, menina; mas não me fale diante do paizinho. que senão esbarronda-se o negócio.
- Obrigada, Norberto.
- Não tem de quê...
- Olha...
- Que é, fidalga?
- Fazes-me um favor?
- O que vossa senhoria quiser, se for para bem da fidalga.
- Levas-me uma carta ao correio?
- É para o Sr. Bernardo?
- Sim.
- Ele quer casar com a menina?
- Pois então!
- Pronto! Se ele quer casar com vossa senhoria, e a fidalga quer, quem os faz desistir?! Ele é bom rapaz e rico a valer.