Sobrevieram dias de contentamento, o sol de Deus sem sombra do mal humano a dar em pleno seio de três pessoas que se consideravam ligadas para muita vida e duradoura felicidade. Amava Matilde o primo com tal sossego de alma, e tanta segurança de o ter íntimo e parte da sua vida, que já não lhe era condição de suprema ventura havê-lo como esposo. Já o sentia noivo no coração; para tudo da sua casa era ele o conselheiro, o guia, o irmão, a alma radiosa, que tudo iluminava, demudando em horas fugitivas de prazeres domésticos os dias... e noites da viúva, tão semelhantes, tão desluzidos até ao momento de encontrar segunda mãe, e nele o primeiro amor.
Quando ela pediu ao primo um sacrifício, como quem pedia um acto indiferente - sacrifício como deixar de ser escritor político - , Alexandre despediu-se dos seus colegas, e para consolar-se dizia entre si: “A minha intenção era ser útil em troca do pão que me davam. Eu deveria continuar, independente do estipêndio, a escrever? Deveria, se a vaidade me capacitasse de que a imprensa política regenera políticos. Portugal é um país em que somente se percebem e frutificam as ideias sociais da Besta Esfolada. Tudo que não for isto, é semente caída sobre penedos. Ninguém lê Silvestre Pinheiro Ferreira, e ainda é procurada a Defesa de Portugal, do padre Alvito Buela.”
Demasias dos 22 anos, já apagados de ilusões, não já por malefício da experiência, mas por motivo de se andar sempre às voltas com as leis visigóticas, e recuar com a vida nove séculos, de modo que, ao amanhecer das trevas do passado, não podia fitar de flecha o sol futuro, visível a todo o homem nado deste século, desde o regedor, que fabrica o deputado, até ao rei, que Deus guarde.
Um dia, o ex-jornalista apresentou a sua prima um papel, em que ela, em certo pleito com devedores do seu defunto marido, constituía seu bastante procurador o bacharel Alexandre Pimentel.