Tais eram e tumultuavam as hipóteses no ânimo do filho de Silvestre Moniz, mais conhecido e sempre conhecido, a despeito de quinhentos contos, pelo tio Silvestre da Fonte. Replicou alucinadamente o académico às sinceras esquivanças da menina. Explanou os tópicos comuns dos ofendidos na sua plebeia vaidade; porque é singular coisa ver assomar-se em arrogâncias de ter nascido povo, propriamente aquele que reprova a filáucia do fidalgo. E então, nisto de amoricos de corações desiguais quanto ao sangue, há uns fumos de altivez agastadiça no homem de baixa estofa, que é preciso muita caridade sobre a paixão requintada da mulher que o atura.
Ricardina chorou quando leu as acusações iniquíssimas. Desde ingrata e cruel até desvanecida e pérfida. Esgotou Bernardo o vocabulário das fúrias do ciúme. Redarguiu o paciente anjo, aprazando-o para lhe fazer justiça com estas comoventes expressões: “Quando eu estiver no convento, meu amigo, tu me pedirás perdão. Desde já te perdoo...” Caiu em si o desatinado jovem. Remediou o mal feito, saneou-lhe a chaga com o bálsamo das lágrimas. Que importava! Ricardina insistia em não fugir de casa. Apuros de tanto decoro não condiziam com o exemplo da mãe, cujo passado as filhas adivinharam, desde que no livro dos batismos descobriram que não tinham pai, ou, se o tinham, chamara-lhe incógnito o abade, sendo ele, que a si mesmo se desconhecia, o redator do assento!
Quinze dias, os que restavam ao prazo assinado pelo padre, passaram rápidos. Ao fim do décimo quarto. D. Clementina disse à filha:
- Ricardina, faz amanhã um mês...
- Bem sei, minha mãe.
- Já pensaste no que hás de dizer?
- Já, minha mãe. Há muito que estou decidida. Quando o pai quiser, irei para o convento.
- Que me dizes, filha?! Pois teimas.