- Isto agora é horrível! - disse o médico ao irmão, chamando-o à escada para que Ricardina o não ouvisse. - Estão presos doze. Falta um... Que esperanças temos de que seja este o nosso?... Então é certo que está tudo perdido, não é?
- Ainda mo perguntas.
- E agora? Fugir?
- Não. Esperemos que chegue Bernardo. Quem o há de socorrer no cárcere?
- E não seremos nós também presos?
- Decerto... E esta desgraçada? Que há de ser de Ricardina?
- Já resolvi, porque tive um presságio de tudo, há poucos momentos. Ricardina sai daqui com o seu criado, à noite. Vai direita para nossa casa.
- Bem; mas hás de tu acompanhá-la.
- E deixar-te?
- Sim. De que me serves tu? Vai apresentá-la ao nosso bom pai. Conta-lhe tudo. Vai; mas acautela-te, que o abade não saiba que ela chegou. Entra de noite, pelos caminhos menos trilhados. Aí estão os nossos cavalos.
- E terá ela forças? - obviou o teólogo.
- Há de tê-las. Diz-lhe que Bernardo fugiu para casa. Mente-lhe. A questão é tirá-la daqui. Não há nada mais infernal que saber ela que Bernardo está preso e arriscado à forca. Tira-ma de Coimbra, que o nosso pobre irmão suicida-se, despedaça-se contra os ferros, se souber que Ricardina aqui está contando-lhe os dias da vida...
Entrou Francisco Moniz, entalado de soluços, que em vão forçava reprimir, no quarto de Ricardina.
- Que é? - clamou ela.
- Boa nova!
- Qual? - acudiu Ricardina erguendo-se ainda com as mãos erguidas.
- Bernardo foi para casa. Está livre.
- Quem o disse?
- Um enviado que ele mandou. À noite partimos para Espinho. Vamos encontrá-lo.
- Vamos? ô Virgem Nossa Senhora! Ó alma da minha santa mãe, que me ouviste! Vamos encontrá-lo? Tem a certeza disso? Vamos?
- Sim, minha senhora, tenho a certeza de que ele está a caminho de casa e livre de perseguição.