Recrudesciam-lhe as angústias; mas as do coração não as sabia extremar das outras. Pendeu a face sobre os joelhos, enclavinhou os dedos sobre a cabeça, e disse entre si:
- Quem me dera morrer...
Nasceu o Sol. Os primeiros raios aqueceram-lhe as mãos. Espertou da letargia, com renovado alento, como se anjos andassem nos infernos desta vida em busca de uns infelizes que Deus ainda não condenou. Ergueu-se cambaleando, encostado às árvores, que o ajudavam a ensaiar as forças. Olhava à volta e ao longe. Quem lhe poderia dizer onde estava? A distância de meia légua viu uns coruchéus de torres por entre nevoeiros. A vinte passos de distância alvejava um trilho de pé posto que descia da serra por entre olivedos, e se espraiava num caminho espaçoso.
- Estou perto de uma estrada e de uma vila - pensou Bernardo. - Perdi-me, provavelmente. Caminhava para a serra, e estou numa chã povoada. Quando sair gente aos campos, serei preso. Mas, se volto a embrenhar-me nas matas, lá me colherá a morte. Que importa aqui ou além?
Viu passar dois caminheiros na estrada. Apalpou as algibeiras. Tinha ouro que chegue para comprar o segredo e a piedade de um pobre. Aproximou-se do caminho. Atravessou-o para um bosquete de olmos. Esperou largo tempo. Ninguém passava. Assomou na revolta da estrada um cavaleiro a trote.
Primeiro, o fugitivo recuou para a espessura dos olmos; depois, sem temor nem alento, levado automaticamente pela indiferença de morte ou vida, aproximou-se da estrada, disposto a perguntar ao viandante que terra era aquela.
O passageiro, a poucos passos de distância, deu tino do outro que o esperava, apoiado o ombro contra uma árvore. Sofreou as rédeas do macho, estacando-o de súbito.
Bernardo Moniz não lhe via senão os olhos; que o viageiro se envolvia num farto capote de saragoça, e as abas do chapéu lhe cobriam os ombros.