Emma saiu. As paredes tremiam, o tecto esmagava-a; e voltou a passar pela extensa alameda, tropeçando nos montes de folhas secas que o vento dispersava. Chegou finalmente ao valado diante da cancela; quebrou as unhas de encontro à fechadura, tal a pressa com que queria abrir. Depois, cem passos adiante, sem fôlego, quase a deixar-se cair, deteve-se. Então, voltando-se, contemplou mais uma vez o impassível castelo, com o parque, os jardins, os três pátios e todas as janelas da fachada.
Ali ficou perdida de pasmo, tendo consciência de que existia apenas pelo pulsar das artérias, as quais lhe pareciam escapar-se como música ensurdecedora que enchesse os campos. O chão debaixo dos seus pés era mais movediço que uma onda, e os sulcos do terreno pareceram-lhe imensas vagas escuras que rebentavam. Tudo quanto tinha na cabeça de reminiscências, de ideias, se lhe escapava ao mesmo tempo, duma vez, como as mil peças dum fogo-de-artifício. Viu o seu pai, o gabinete de Lheureux, o quarto do hotel, outra paisagem. A loucura apossava-se dela, teve medo, conseguiu voltar a dominar-se, duma maneira confusa, é certo, porque não se lembrava da causa do seu horrível estado, ou seja, a questão do dinheiro. Sofria apenas por causa do amor e sentia que a alma a abandonava a essa recordação, como os feridos, agonizando, sentem a vida esvair-se pelos ferimentos a sangrar.
Caía a noite, voavam, gralhas.
Pareceu-lhe, repentinamente, que rebentavam no céu glóbulos cor de fogo, com balas fulminantes, achatando-se, rodopiando, para depois se fundirem na neve, entre os ramos das árvores. No meio de cada um deles, aparecia-lhe a figura de Rodolphe. Multiplicavam-se, aproximavam-se, penetravam nela; depois tudo desapareceu. Reconheceu então as luzes das casas que resplandeciam, de longe, no nevoeiro.