- Macaco? O Sr. João da Esquina macaco?! Essa agora! Como quer que eu suponha tal absurdo?
- Absurdo?! - exclamou jubiloso o merceeiro. - É o que eu digo. Assim, assim é que eu gosto de os ver.
- Esquisita monomania! - comentava para si Daniel.
João da Esquina continuou no mesmo tom, meio irónico, meio confidencial:
- E acha que me ficaria muito bem, se me pusesse a andar por aí com as mãos pelo chão?
Daniel, muito fora, naquele momento, das razões que motivavam estas perguntas, achava-as tão extravagantes, que sentia agravarem-se-lhe cada vez mais as apreensões, relativamente ao estado intelectual do tendeiro.
- Decerto que não seria exemplo muito para tentar - respondeu Daniel, não podendo outra vez disfarçar um sorriso.
- Ah! Então parece-lhe isso?
- Acaso as íntimas convicções do Sr. João da Esquina repelirão esta maneira de pensar?
- O senhor é que parece ter mudado de ideias.
Lembrou-se então Daniel de que talvez tivesse alguma vez pronunciado diante de indiscretos, uma ou outra frase, menos favorável em relação a João da Esquina, a qual, tendo-lhe sido transmitida, desse por tal forma motivo a esta desconfiança.
- Estou supondo que o Sr. João da Esquina tem não sei que prevenção contra mim. Pode ser que lhe viessem referir algumas palavras minhas, as quais julgue ofensivas à sua dignidade; mas creia que são menos verdadeiras. As coisas alteram-se sempre ao passar de boca em boca.
- Então dá o dito por não dito?
- Tudo o que for injurioso, creia que o não disse eu - respondeu Daniel.
O tendeiro, mais tranquilo a respeito do novo médico, o qual ele via assim abjurar solenemente e no mundo, não duvidou encetar os estiradíssimos capítulos da sua longa história mórbida.
Pouparei ao leitor o ouvi-los.