As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 21: XXI Pág. 144 / 332

Se os amáveis sorrisos da esposa tinham já procurado a Daniel compensação ao menos cordial acolhimento feito pelo tendeiro, o sobressalto e confusão, com que a menina estendeu para ele um pulso, sofrivelmente modelado, conseguiram mais eficazmente esse mesmo resultado.

Era esta menina a trigueira mais trigueira de toda a aldeia.

Ingrata para com esta cor maravilhosa, que, tingindo certos tipos fisionómicos, como o dela, é de efeitos surpreendentes, tinha porém a fraqueza indesculpável de se afligir por não ser corada!

Era ideia fixa na menina Francisca; uma conversação de quarto de hora, que se tivesse com ela, bastava para a fazer avultar.

Debalde protestava contra tal injustiça o brilho esplêndido de uns olhos que, naquela tez, realçavam como poucos. Dera-lhe para se reputar infeliz por aquilo, e não havia distraí-la.

A doença, que actualmente molestava esta progénie dos senhores da Esquina, era uma impertinência nervosa, dessas para as quais se receitam banhos de mar.

Daniel não deixou de os aconselhar; mas não terminou a visita com o conselho.

Os tais olhos pretos sobre aquelas faces, esquisitamente trigueiras, davam-lhe deveras que pensar.

Agora não tinha ele pressa de se ir embora.

Por onde andaria a imagem de Clara?

Prolongando-se a visita, era inevitável a descoberta da corda sensível da enferma. Mais cedo ou mais tarde um queixume indiscreto a poria em relevo. Assim aconteceu. Daniel ficou sabendo que mal oculto entenebrecia aquele coração e preparou-se para ser eloquente na apologia da cor trigueira.

João da Esquina tinha saído da sala. O pobre homem já não podia suportar a sua cara-metade, a qual, pela décima vez, lhe repetia:

- Toma arsénico, filho, toma. Não posso saber por que não hás- -de tomar arsénico.





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