Pedro fazia então o elogio fúnebre do perdigueiro que, havia um mês, lhe tinha morrido.
- Olha que era um animal aquele, Daniel, que parecia que entendia uma pessoa! Eu nunca vi bicho mais fino! Se tu o visses no monte! Aquilo era um azougue. Um dia, tinha ido eu, o Luís do mestre-escola e o Francisco do alferes...
- Isto que horas serão? - perguntou Daniel, a ver se desviava de si a história iminente.
- Vai nas três - respondeu Pedro, e continuou: - Mas íamos nós todos... ai, é verdade, ia também o Domingos Cabomor... oh!... mas esse não mata um pardal. Tem aquele diabo um costume...
- Que insuportável calor! - bradava Daniel, tão pouco à vontade no leito, como se fora de Procusto.
- Hoje está quente, está - concordou o irmão, e continuou: - Mas tem aquele diabo um costume, que, por mais que eu lhe diga, não é capaz de perder.
Daniel colocou a almofada do travesseiro sobre os ouvidos, para não ouvir.
- O costume é o seguinte: Tu sabes que no tempo das perdizes...
Foi neste momento que entrou o reitor no quarto.
- No tempo das perdizes, no tempo das perdizes, tanto mentes, quanto dizes. É manha velha de caçador. Gabo-te os vagares, Pedro! Nem que um homem viesse a este mundo para andar de arma ao ombro e polvorinho ao tiracolo, por montes e vales, tiro aqui, tiro acolá, vida de galgo atrás de lebre; e a casa por aí, sabe Deus como!
- Isto era para conversar um bocado - disse Pedro, sorrindo a esta objurgatória do padre.
Daniel ia a erguer-se; o reitor não lho permitiu.
- À vontade, à vontade; quem acabou de ouvir uma ladainha a Santo Humberto, como eu imagino... ainda se fosse só imaginar! - como eu, infelizmente, sei por experiência também - não deve sentir- se com grandes forças para se ter em pé.