As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 28: XXVIII Pág. 193 / 332

com franqueza se apontam defeitos, e sem ofensa se recebem censuras, e até são mal acolhidas as lisonjas; e tudo isto então, toda esta apetecível desordem, todo este abandono de etiqueta, à vista da porção sisuda da companhia, à qual a tolerância fecha desta vez excepcionalmente os olhos; e, a alumiar uma tal azáfama, meio festiva, meio laboriosa, apenas a luz mortiça dum modesto lampião, pendurado de uma trave do tecto ou, ainda melhor, a suave claridade do luar em campo descoberto!

Aquelas liberdades todas são permitidas, ordenadas até, pelo código das esfolhadas.

Cada espiga vermelha, cada espiga de milho-rei - como por lá lhe chamam - é a sentença promulgada contra o feliz, a cujas mãos ela chegou.

Cabe-lhe distribuir por toda a assembleia, ou receber de toda ela, um abraço mais ou menos apertado; sentença que ele de boa vontade cumpre, principalmente quando, entre tantos abraços, há um, pelo qual em vão suspira, nas outras épocas do ano.

Esta lei, digna das ordenações daquelas joviais «cortes de amor» da idade média, é a alma das esfolhadas.

Dela provêm os risos, os arrufos, as recusas, as insistências, as queixas, as acusações, os despeitos, e os ciúmes que, ao mesmo tempo, desordenam o serão, excitam os trabalhadores e adiantam a tarefa.

Quando um dia a máquina agrícola fizer ouvir nas aldeias portuguesas o silvo estridente do vapor; quando a força prodigiosa de suas alavancas, o movimento de suas rodas gigantes e complicadas articulações dispensar o concurso de tantos braços, nestes trabalhos rurais; quando a musa pastoril, resignada, trocar as vestes primitivas, por a blouse do artista e esquecer as antigas cantilenas para aprender a canção das fábricas; lembrar-se-ão com saudade das esfolhadas os felizes que as puderam ainda gozar.





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