ali as suas contas com Nossa Senhora, rezando uma das muitas coroas, de que lhe estava em dívida; e, a cada passo, rompia em vocifera- 189 ções contra duas raparigas, entre as quais ficara, e cuja contínua palestra a fazia perder na fieira de Padre-Nossos e Ave-Marias da sua interminável reza.
Os arrufos da velha eram novo estímulo para risadas.
Às vezes saltava ao meio do círculo uma criança com grandes bigodes, feitos de barbas de milho, e a ideia era logo apoiada e imitada por todas as outras, com grandes embaraços ao bom e pronto andamento da tarefa do serão. As mães ralhavam, rindo; e os pais faziam o mesmo; e, disfarçadamente, punham ao alcance dos pequenos, novos instrumentos para idênticos delitos.
As raparigas e os rapazes atiravam uns aos outros o gorgulho, que por acaso encontravam nas espigas; o que introduzia grande alvoroço na assembleia e enchia os ares de gritos e de vozerias atordoadoras.
E ia assim animado o serão, quando uma circunstância, para quase todos inesperada, veio subitamente esfriar esta fervura.
Esta circunstância foi a chegada de Daniel.
Eram nove horas quando ele apareceu na eira, ainda em trajos de jornada, pois voltava, naquele momento, de excursão distante.
Saudando alegremente a companhia, Daniel pediu para si lugar no círculo dos serandeiros.
José das Dornas, Pedro e Clara, que havia já muito o aguardavam com impaciência, sorriam entre si, ao verem o embaraço em que todos ficaram com aquele reforço.
A reputação que Daniel adquirira não era de facto para lhe preparar um lisonjeiro acolhimento.
Os homens franziam as sobrancelhas e exprimiam, em rosnados apartes, o seu desagrado; as mulheres de idade fitaram no recém-chegado um olhar, como o que lhes mereceria