Como esses bonecos que fazem as delícias dos pequenos feirantes do S. Miguel e do S. Lázaro, no Porto, e, que, ao abrir-se a caixa, que os contém, são repentinamente expelidos por uma mola interior, o pároco, ao toque mágico do agigantado quadrúpede, ergueu-se de súbito sobre os calcanhares, e meio sufocado pelo susto, e com as faces enfiadas, bradou para Daniel:
- Chama este cão, rapaz endemoninhado! Ele mata-me!
Daniel é que lhe não podia valer, tão embasbacado ficou com a inesperada aparição do mestre. A mulher de Loth por certo não se conservou tão imóvel, depois do fatal momento em que cedeu à sua irresistível curiosidade.
A pequena Margarida é que salvou a situação - como me parece que se costuma dizer em política. - Armou-se da maior severidade que lhe era possível, e com inflexão de voz imperiosa, pronunciou um - «aqui, Gigante!» - que foi prontamente obedecido.
O reitor estava salvo, mas ainda não senhor seu, e deveras chufado com as circunstâncias ridículas que acompanharam a sua descoberta.
Ora, como sempre acontece, estas circunstâncias inabilitavam- no para assumir o carácter severo, grave e pedagógico, necessário a quem se propõe a dar uma repreensão, a fazer uma prática de moral.
Com muito bom senso renunciou, pois, o reitor a este projecto, e, sem dar palavra, virou costas e abandonou o lugar desta aventura, interiormente quase tão pouco satisfeito consigo como com o seu discípulo.
Daniel, passados alguns momentos mais de silencioso pasmo, desatou a rir, a rir, a rir, desse expansivo e contagioso rir de criança, que não tem outro igual. Esqueceu o que para ele havia de estranho e sério em tudo aquilo, e as consequências que poderia ter, para só se lembrar da carantonha que fazia o reitor, a gritar que lhe acudissem, do susto que apanhara, do aspecto sorumbático que levava ao partir, e por isso tudo ria a bandeiras despregadas.