As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 4: IV Pág. 22 / 332

O reitor estava escandalizado e estupefacto por quanto vira e ouvira.

Tivesse assistido, em pessoa, ao aparecimento do Anticristo, que não se maravilhara tanto.

Esta cena inofensiva, esta écloga entre duas crianças, parecialhe mais abominável, do que a outro qualquer as mais impudicas aventuras daquele herói, que Byron imortalizou com o nome de D. Juan, nome, já antes dele, de pouco austera memória.

Ao chegar a seus atónitos ouvidos a vibração sonora do beijo, que terminou o diálogo, o padre estremeceu como se acabasse de escutar um silvo de serpente cascavel, e não pôde reprimir uma interjeição desaprovadora, bastante audível, para ser percebida por todos os personagens da cena que descrevemos.

- Não ouviste, Guida? Que foi aquilo? - disse Daniel, já meio erguido, e olhando com certa inquietação em redor de si.

- Não é nada - respondeu esta, com pouco mais frieza de ânimo.

Mas, neste tempo, já o cão se havia levantado e ladrava furiosamente na direcção do lugar onde o reitor estava escondido.

- Aqui, Gigante, aqui! - bradava-lhe em vão Margarida.

- O que está acolá no centeio, para o cão ladrar assim? - perguntou Daniel, já sem pinta de sangue.

E o cão ladrava cada vez mais, e parecia pronto para arremeter contra um inimigo oculto.

O reitor, como é de prever, começava a achar-se muito pouco à vontade.

- Aqui, Gigante - continuava a pequena, já cansada de bradar.

Mas Daniel, assustado, valeu-se do cão, como instrumento de exploração e defesa, e soltou uma palavra imprudente:

- Busca, Gigante, pega!

Não foi preciso mais nada.

O Gigante galgou de um salto o estreito caminho, que o separava do campo, onde o reitor cada vez suava mais com a iminência do perigo, e rompendo por entre o centeio, veio pousar triunfantemente as patas dianteiras sobre os ombros do pobre velho, que julgou ver a morte na figura deste monstruoso cão.





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