João Semana levantou a cabeça e deu com os olhos no reitor, muito pachorrentamente estabelecido sobre o tronco de um pinheiro derrubado, no topo das escadas que desciam do outeiro.
João Semana ficou espantado com tal descoberta e só isso o impediu de notar que Daniel o não ficara menos. Quando, porém, desviou para este os olhos, encontrou-o já sem sinal de perturbação, e até anediando os cabelos, com toda a naturalidade.
As suspeitas, vagamente concebidas pelo cirurgião, desfizeram- -se logo.
- Que diabo fazeis vós ambos aqui? e tu então de poleiro, Abade?!
- É que isso aí em baixo é húmido, como um charco, e eu não quero dar-te que fazer com o meu reumatismo, João. Mas eu desço, eu desço.
- Não, não, deixa-te lá estar, deixa. Lá por isso...
- Não, que vão sendo horas também de me chegar até casa.
Pois é verdade - continuava o pároco, apoiando-se na bengala e descendo, com vagar e cautelosamente, os poucos suaves degraus, cavados no saibro do monte - pois é verdade; estávamos nós aqui, eu com o Daniel e a Clarita, a conversar...
- Ah! bem me pareceu que era ela.
- Era ela, sim. Então que dúvida. Olha que sempre fizeste uma descoberta!
- Mas para que diabo fugia a rapariga, então?
- Dize antes por que diacho não fugimos nós? Mas o meu reumatismo é que me não deixou. Quando me hás-de tu dar um remédio para isto, homem?
- É pregar com os ossos nas Caldas, querendo. Mas, dizias tu, fugir! Para que haviam de fugir de mim?
- De todos. Quando se conspira...
- Então vocês?...
- Conspirávamos, sim, senhor. Aqui mesmo onde nos vês, estávamos a combinar uma coisa...
- Que diabo era o que combinavam?
- Combinávamos...
O reitor achava-se um pouco embaraçado por nada lhe ocorrer a propósito; por isso exclamou, para contemporizar:
- Que maldito costume que tu tens, João, de estar sempre com o nome do inimigo na boca! Perde-me esse jeito.