Um dia, entrando no quarto, Clara encontrou no chão e próximo da janela, que deixara aberta, um papel dobrado.
Abriu-o e leu. Era um bilhete de Daniel a pedir-lhe, nos termos mais respeitosos, uma entrevista - a última. Alegava, em favor da sua pretensão, o não poder resignar-se à desconsoladora ideia de ser mal conceituado de Clara; prometia e jurava respeitá-la como irmã, pois como tal a considerava já; e acrescentava que não deixaria de a perseguir, até que ela condescendesse a escutá-lo. Se receava, dizia ele no fim, que essa entrevista desse lugar a interpretações injuriosas, regulasse e impusesse ela as condições debaixo das quais a concederia.
Esta carta, que não primava em laconismo, parecia, em boa lógica, dispensar a entrevista requerida, e na qual, pouco mais restaria a fazer do que desenvolver o tema, já tão extensamente assim parafraseado por escrito. Mas a lógica não domina de ordinário situações daquelas.
Clara não respondeu ao bilhete e continuou, mais que nunca, a evitar Daniel.
Da parte deste continuaram pois as imprudências, às quais servia de novo estímulo, o despeito, esse poderoso fermento de paixões nas almas mais sujeitas a elas.
Outro bilhete, recebido por Clara da mesma maneira, instava ainda com maior veemência pela entrevista pedida.
Clara esteve para referir tudo a Margarida, mas faltou-lhe o ânimo.
Este estado de coisas continuou por algum tempo mais; até que um dia Clara, animada da confiança em si, que não perdia nunca, e da boa-fé, que depositava nas conversas dos outros, resolveu consentir em escutar Daniel.
Não lhe prometia ele ser essa a condição indispensável para a não perseguir de novo!?
- Acabe-se pois este constrangimento em que vivo - dizia ela.
- Que posso eu recear? a minha boa estrela não me abandonará.