Mas tem-se visto coisas!... Que génio aquele! A quem sairá este rapaz? A mãe, uma santa mulher, o Senhor a tenha em glória; o pai, um homem sério... Mas, na verdade, dá-me que pensar este desaparecimento! Ele não dormiu em casa... Não teve ânimo de se encontrar com o irmão talvez... Santo António nos acuda! Quem sabe se iria para o Porto? Pode ser. Antes fosse.
Ia pensando nisto o velho pároco, quando, ao tomar por a ponte de madeira, que atravessa um despenhadeiro, de cujo fundo pedregoso chegava aos ouvidos o fragor medonho de uma torrente, se encontrou, face a face, com o objecto da sua pesquisa.
Passou um calafrio pelo reitor ao ver Daniel naquele lugar e ao reparar-lhe para as feições.
Daniel estava excessivamente pálido e com o rosto desfigurado pela vigília e, mais ainda, pelas angústias de espírito, que naquela noite o torturaram.
Olhava com a vista espantada e numa espécie de fascinação o abismo, a que ficava sobranceiro, e parecia atento a uma voz interior, que o impelia ao suicídio.
O reitor parou, fixando nele o olhar perscrutador.
- Que faz aqui? - perguntou-lhe, segurando-o com força pelo braço, como se pretendesse desviá-lo do precipício.
Daniel levantou para o padre os olhos entorpecidos e em seguida, baixando-os de novo para o fundo do despenhadeiro, respondeu com uma frieza, que fez estremecer o velho:
- Estava a fazer contas comigo mesmo; assistia ao meu julgamento.
- Ora vamos. Não seja criança. Deixe-se de loucuras. Venha-se embora. Não queira fazer a infelicidade dos mais, dos que o estimam, já que a sua lhe merece tão pouca importância. Lembre-se de seu pai, e veja lá se quer pagar-lhe assim os sacrifícios que tem feito por si.