.. mas aquele coração é de um quilate! E que penetração de espírito, que luz de inteligência aquela! Fez quase só por si a sua educação.
- E foi esta a que se sacrificou? - perguntou Daniel.
- Foi.
Ambos de novo se calaram.
A criança concluía, neste momento, o texto bíblico.
- «Ele, porém, lhe disse: Filho, tu sempre estás comigo e todas as minhas coisas são tuas:
Convinha-nos, porém, alegrar-nos e folgar: porque este teu irmão era morto e reviveu, e tinha-se perdido e achou-se.» Um beijo, que o reitor e Daniel ouviram distintamente, foi a recompensa concedida por Margarida à discípula, ao terminar a leitura, que ela fizera com inteligência e numa quase melopeia, perfeitamente adequada à poesia dos versículos.
Depois foi a voz de Margarida, que lhes chegou aos ouvidos; sonora, suave, melancólica, cheia de sentimento e bondade, ecoou saudosamente no coração de Daniel, que mal podia explicar a natureza da comoção que experimentava ao ouvi-la.
- Olha, Ermelinda - dizia ela - hás-de ver se decoras, para que nunca te esqueçam, aquelas palavras de Cristo: «Há mais alegria no céu sobre um só pecador que se arrepende, do que sobre noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento.» Diz isto mesmo a história que leste. Jesus Cristo falava ao povo de maneira que o povo todo entendesse; por isso lhe contou a história do filho pródigo. O céu é também a casa do pai onde se recebem, com festas e alegrias, os pecadores arrependidos, esses filhos pródigos do Senhor. É uma grande consolação o saber que não há pecados, que uma contrição sincera não possa remir; alma tão perdida do mal, que não possa ainda voltar-se com esperança para o céu.
O reitor trocou neste momento um olhar significativo com Daniel, que parecia recolher com avidez todas as palavras de Margarida.