Margarida palpou-lhe as mãos; estavam frias, dessa frialdade de cadáver, que desperta em nós repulsão instintiva. Apesar de toda a sua corajosa afeição a este velho, a compadecida rapariga, ao senti-las assim, ia a retirar as suas; mas impediu-a a contracção violenta com que lhas segurou o agonizante.
Por pouco rompia um grito do seio de Margarida. Figurou-se-lhe, no primeiro momento, que um cadáver a ia prender ao sepulcro.
Venceu-se porém, e deixando a sua mão entre as mãos geladas do velho, e com a outra arredando-lhe da fronte os cabelos brancos, que em desordem a cobriam, continuou:
- Jesus, que soube o que é padecer, há-de ter compaixão de si.
Ele lhe dará o alívio.
O velho fez um esforço, e fitando Margarida com olhar, ao mesmo tempo de dor e de saudade, murmurou a custo e em voz cortada pela respiração:
- Sim... alívio na morte.
- Não diga isso - replicou Margarida, procurando sorrir, mas tremendo-lhe os lábios de compaixão. - Como perdeu assim a esperança? Pois não se lembra de, ainda há dias, combinarmos dar uns passeios, que lhe hão-de fazer muito bem? Havemos de ir breve; vou eu, a Clara, e o Sr. Reitor também vai, que já me prometeu.
Há-de ser à ermida da Senhora da Saúde. Se soubesse como lá é bonito! A vista segue, segue por cima de campos, de devesas, de aldeias, e tão longe, tão longe, que só pára no mar. Não se pode estar doente ali; verá.
Um sorriso, sorriso de gratidão e de amargura também, se desenhou nos lábios descorados do velho, sorriso como pode ser o dos agonizantes - triste, desalentado, desconsolador.
- Então parece-lhe que não há-de gostar do passeio? - prosseguiu Margarida, a quem fazia mal vê-lo sorrir assim. - Que medos são esses agora? Quantas vezes tem já estado, como está hoje?
senão pior ainda; e depois melhora.