Dissera-se, ao vê-lo agora desfalecer gradualmente, que a morte se aproximaria lenta, suave, sem paroxismos; como o adormecer, que se não pressente.
De súbito porém alterou-se esta placidez enganosa.
Animado duma energia, que contrastava com a depressão que, momentos antes, lhe paralisava os membros, tocados pelo dedo da morte, afastou impaciente a roupa e, elevando as mãos, cruzou-as sobre o peito, ao mesmo tempo que inclinava para trás a cabeça, como em espasmo violento.
Margarida julgou-o morto.
Apoderou-se então dela um terror súbito e profundo. Assustou- -a aquela escuridade, aquele silêncio, aquela agonia, e, soltando um grito, correu à porta para pedir socorro.
Ao abri-la, achou-se inesperadamente em face de Daniel, que, por acaso, passava ali também naquele momento.
Estava muito agitado o espírito de Margarida, para que a presença de Daniel produzisse nela a impressão, que, em outras quaisquer circunstâncias, produziria.
No homem, que mais pudera influir-lhe no coração, ela só viu, naquele momento, o médico, o socorro que lhe enviava talvez a Providência; e, com as lágrimas nos olhos e as mãos juntas, caminhou para ele, sem hesitação, sem timidez, cheia de confiança.
- Por amor de Deus, Sr. Daniel, acuda a este infeliz, que morre! - dizia ela comovida.
Daniel, surpreendido ao princípio pelo inesperado aparecimento de Margarida, num instante recebeu o contágio abençoado da generosidade daquela alma.
A mais leviana cabeça curva-se diante da manifestação sincera de uma dor assim; o coração mais volúvel deixa-se penetrar do influxo misterioso da simpatia e cerra-se a outros motores menos desinteressados.
Daniel compreendeu toda a nobreza daquele sentimento e sentiu- se arrastado por ela.