Desta vez gesto e aparte pertenceram à outra interlocutora e tinham a mesma significação.
É certo porém que o Daniel ia andando com o seu latim e, dentro em pouco tempo, já papagueava os substantivos e os adjectivos com incrível e surpreendente velocidade.
José das Dornas divertia-se excessivamente a ouvi-lo. As declinações ditas pelo filho em voz alta «lá lhe caíam no goto», como ele dizia; e já procurava imitá-lo nas suas horas de bom humor, que, segundo já afirmámos, eram numerosas.
- Diz lá, rapaz, dize lá. Então como é? Como é? Altrotoro, altrotoro, altrotoro. Ó tranca, ó tranca, ó trinque, ai diabos, diabos, diabos. Ah! ah! ah! Ora dize lá, rapaz, dize lá.
E Daniel principiava a repetir as lições, acompanhado das gargalhadas de José das Dornas, que, sem o saber, ia demonstrando com o exemplo um grande preceito de instrução, tantas vezes recomendado: - o de vencer, pelo estímulo do agradável, o fastio que acompanha o estudo. De facto, a facilidade com que Daniel retinha já as enfadonhas lições da arte do padre Pereira era em parte devida à maneira por que lhas amenizavam estes gracejos do pai; quanto mais arrevesados eram os nomes, com mais vontade os decorava Daniel, para despertar com eles a estranheza e hilaridade paternas.
Que estrondosas gargalhadas se não deram na noite em que Daniel repetia em voz alta a declinação do relativo Qui e seus compostos.
- Ora essa! - dizia José das Dornas - que vem cá a ser isso? Qui, qui, qui, qui... Ai que o Sr. Reitor quer ensinar-me ao filho a língua dos cevados!
E toda a família desatava a rir, e Daniel mais que todos.
E assim procedia o menino Daniel nos seus estudos com grande aprazimento do reitor, que muita vez dizia ao pai, em tom confidencial:
- Sabes que mais, José? O rapaz é esperto e era até um pecado desviá-lo do estudo, para que tem tanta queda.