Deixemos Daniel gozar-se à vontade dos abraços da família, e preparar-se para sofrer, como puder, os apertos de mão oficiosos de amigos e conhecidos, que não tardarão a vir cumprimentar o novo zelador de suas importantíssimas saúdes.
Entremos, pois, com estes, que é a companhia que melhor nos convém. Entre os primeiros encontramos logo o reitor.
O bom pároco caminhou para Daniel com os braços abertos e lágrimas de alegria a bailarem-lhe nos olhos. Ficara com afeição ao rapaz, desde que o tivera por discípulo.
Falou-lhe desses tempos com saudade e perguntou-lhe se ainda se lembrava do latim.
Daniel, em resposta, declinou-lhe sorrindo, hora, horae, até ao ablativo do singular, com grande satisfação do velho que, em paga, terminou por uma prática sobre os deveres do médico na sociedade, recheada de preceitos de excelente moral. Daniel escutou-o com fisionomia atenta; mas, diga-se o que é verdade, com o espírito um pouco distraído.
Veio também João Semana - João Semana, o velho cirurgião, de quem já temos falado, homem rude, franco, jovial, que apertou expansivamente a mão de Daniel, pondo em exercício uns músculos de oitenta anos, que fariam a vergonha dos nossos rapazes de vinte.
Apesar dos seus muitos anos, tinha ainda João Semana hábitos de actividade, a que não sabia fugir.
Erguia-se com estrelas, almoçava com luz e montava a cavalo, para começar o giro clínico, que lhe tomava o dia quase todo; e nunca reprimia a velocidade da sua pacífica e bem intencionada azémola, para gozar por mais tempo de um ponto de vista pitoresco, para escutar o gorjeio de alguma ave oculta na folhagem, nem para cortar a flor desabrochada à borda dos caminhos, ou dentre a relva dos campos. Nada disso; se abrandava o trote da égua, era nos sítios mais azados a quedas; se parava, era à porta dos doentes ou a ouvir alguma consulta, à qual, até a cavalo, respondia, e nos mais lacónicos termos possíveis.