Subiam eles a encosta de uma pequena colina, no alto da qual, sobre o fundo magnífico de céu ainda iluminado pelos últimos rubores do crepúsculo, se delineava o vulto negro de uma cruz de granito, quando lhes chegou aos ouvidos o som de vozes longínquas, cantando concertadas; simultaneamente pararam a escutá-las.
Pouco a pouco, a música tornava-se mais distinta, e cedo, ao lado do cruzeiro, desenharam-se também as figuras graciosas de um bando de raparigas, que voltavam à aldeia, entoando em coro uma saudação à Virgem Maria - a predilecta da piedade popular.
Harmonizavam-se tão bem aquelas vozes frescas e juvenis: combinava- se tão admiravelmente a poética melancolia do lugar e da hora com a daquela toada singelíssima, que Daniel sentiu-se comovido.
Os dois irmãos puseram-se de lado para deixar passar as raparigas; e nem o mais estouvado deles teve coragem de interromper com a menor frase de galanteio o coro piedoso que elas, sem interrupção, continuaram cantando; e até de todo se perderem as vozes pela distância, conservaram-se ambos silenciosos e imóveis.
Como se esta cena reconciliasse Daniel com a vida do campo, logo que prosseguiram o caminho, ele exclamou, mais para si talvez do que para o irmão:
- Digam o que quiserem, há na aldeia belezas magníficas. A cena é inexcedível - e isto dizia, correndo com a vista o horizonte vasto que o rodeava - e as personagens, às vezes, são bem dignas de atenção!
As raparigas do coro tinham - lhe ensinado a apreciar um género de beleza, a que, até então, fora indiferente.
Preciso é também que se diga que, desta vez, trazia Daniel, por excepção, o coração ou, como quiserem, a cabeça em disponibilidade - circunstância que não pouco concorreu para o efeito produzido.