Aqui, o pensamento quebrou o jugo que o constrangera a seguir o caminho estreito da reflexão e entregou-se insofrido à mais extravagante carreira.
Na posição e nos gestos de Margarida nada acusava a revolução mental que se operara; mas, instantes depois, ela murmurava já:
- Quem sabe se aquela rapariga?... Mas, não, não pode ser... E ele? Que mudança traz o tempo! Eu não sei como são certas memórias também... Mas que admira? A vida de cidade... Quem havia de pensar?... Parece-me que ainda o estou a ver, quando ele era criança, e vinha... Dez anos!
Absorvida em pensamentos desta ordem a veio encontrar o reitor, que raro deixava de visitar as suas pupilas.
- Em que cismas tu, rapariga? - disse-lhe o padre. - Santo Nome de Jesus! não posso atinar o que tanto tens para cismar.
Nem que te pesassem aos ombros grandes canseiras de família!
Deita o coração ao largo. Não vês a Clarita? Faze assim como ela.
Lembra-te que tens vinte e três anos. Aos sessenta é que é natural pensar assim.
Margarida beijou-lhe a mão, dizendo-lhe:
- Isto julgo que nem é pensar. É quase um esquecimento de tudo e de nós mesmos em que às vezes se cai. Mas faz bem em ralhar comigo, Sr. Reitor, faz muito bem. Este costume é mau. É quase uma doença, da qual hei-de ver se me curo.
- E tens juízo. Olha, minha filha, isto de pensar muito...
Enfim, o Senhor para isso nos deu a razão, mas... Queres tu saber?
Um dia veio aqui um homem que, pelo modos, é um grande sábio, um destes filósofos da cidade. Era domingo e eu tinha de fazer a minha prática. O tal sujeito foi para a igreja.