As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 27: XXVII Pág. 189 / 332

No meio da pobreza, no meio da miséria, pode nascer a alegria; mas é preciso que haja um olhar de afeição para a criar... um olhar de mãe, sobretudo. Ai, um olhar de mãe deve ser para a gente, quase como um raio de sol para as flores. É ver aquela rosa, que nasceu acolá, à sombra do muro. Como é desmaiada!

Enquanto que as outras... Bem faltas de cuidado cresceram por entre a horta aquelas papoilas vermelhas; quem pensava nelas? Mas lá ia o sol animá-las... Clara teve uma mãe que a estremecia, teve o seu raio de sol... eu, de bem pequena, perdi a minha...

Quem tão cedo se viu órfã, como há-de ser para alegrias?

Neste ponto, entrou na sala uma rapariga, que as servia, trazendo um ramo de flores na mão.

- Veja, menina - disse ela - veja o bonito ramo que eu trouxe do campo de baixo. Vou já já daqui, pô-lo ao Santo António, lá dentro.

- Pois, vai, vai, Maria.

E a rapariga, que era uma exposta, saiu cantando alegremente.

- E esta então? - continuou pensando Margarida, quando ela se retirou. - Que mãe teve esta para lhe semear a alegria, que nunca perde? A pobre nem família conhece; a gente, que a criou, não a tratava com carinhos. E como ela vive! e como ri! Não há dúvida pois; não há dúvida que se vem ao mundo assim. Então eu...

Ó Senhor! mas isto não pode ser. Que condenação, meu Deus!

E como se procurasse convencer-se de uma outra solução, menos desconsoladora, do problema em que meditava, prosseguiu pouco depois:

- Mas quem me diz que é isto uma condenação? Porque não hei-de ver se posso tirar de mim estas ideias negras? Olhando-se bem claro dentro de nós mesmos, talvez... Vejamos: estou hoje triste; é verdade. E porquê? Esta manhã não o estava. Lembra-me que até me ri com a Clara... Parece que é mau agouro esta alegria, que sentimos às vezes ao acordar! Depois.





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