As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 4: IV Pág. 20 / 332


«Ai que bonita cabreira...

E Margarida, ao cantar este verso, não pôde conservar-se séria, vendo Daniel levantar os olhos para ela.


«Que lá em baixo vejo estar!
«E uma cabra toda branca,
«Que nem se deixa fitar.


«Meus criados e escudeiros,
«Ide a cabreira a buscar.»
Isto dizia a rainha,
Este foi o seu mandar.

Foram buscar a cabreira E a cabra de a acompanhar Até às salas dos paços Onde o rei as viu chegar.


«Pela minha c’roa de ouro
«Eu quero agora apostar
«Que é esta a filha roubada
«Numa noite de luar.»


Milagre! quem tal diria!
Quem tal pudera contar!
A cabrinha toda branca
Ali se pôs a falar.

A seguinte quadra foi cantada por Daniel, e sem ofensa de harmonia:


«Esta é a filha roubada
«Numa noite de luar,
«Andou sete anos no monte
«Quem nasceu para reinar!»

O resultado da intervenção de Daniel foi acabarem os dois a rir, com grande risco de deixarem incompleta a cantiga.

A rogos do seu companheiro, Margarida, passados alguns momentos, concluiu:


Que alegrias vão nos paços,
E que festas sem cessar!
A filha há tanto perdida,
No trono os pais vão sentar.


E vêm damas p’ra vesti-la.
E vêm damas p’ra calçar.
E as mais prendadas de todas
Para as tranças lh’ enfeitar.


Vão procurar a cabrinha...
Ninguém a pôde encontrar:
Mas...

Foi olhando para Daniel que a pequena Guida terminou:


Mas um anjo de asas brancas
Viram aos céus a voar.

E assim terminou a última quadra da xácara e, por algum tempo, as duas crianças se conservaram caladas, como se quisessem seguir ainda, até às derradeiras vibrações, as notas melodiosas daquela voz, ao desvanecerem-se no espaço.





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