Daniel foi o primeiro a romper o silêncio.
- Então vês como a soubeste até ao fim? E cantaste-a tão bem!
- Ora!
- Mas é noite, Guida. Repara. Olha que são horas de tu ires juntando o gado.
E acrescentou, suspirando melancolicamente:
- Daqui a pouco estou eu de volta com o meu latim! E que lição tamanha me marcou o padre para amanhã!
- Então de que tamanho é?
- Olha; vai vendo - disse Daniel, abrindo a Selecta e mostrando a Margarida as folhas que o reitor lhe marcara para estudar.
- É esta lauda... e esta... e esta, até aqui.
- E então isso que diz?
Conta a vida lá de uns generais antigos, que fizeram guerras e mortes e que quase sempre se matavam a si, quando os não matavam a eles.
- E para que é preciso que saiba essas histórias quem quer ser padre?
- Eu sei lá. Mas que estás tu a dizer? Padre! padre! Não me fales em ser padre, Guida. Eles cuidam que eu quero mesmo ser padre. Estou querendo.
- Então?
- Ora, quando chegar a ocasião eu lhas cantarei. Ainda está por nascer o barbeiro que me há-de abrir a coroa. O tio João das Bichas disse-me no outro dia - a rir, já se sabe - que já tinha em casa uma navalha afiada para isso; eu fui-lhe dizendo que bem deixava então navalha para o barbearem em morto.
- Mas o seu pai mata-o!...
- Meu pai? Deixa-te disso. Meu pai não há-de querer fazer-me padre à força.
- Mas o Sr. Reitor?
- O Sr. Reitor não é cá chamado. Que se meta com a sua vida.
Ora é muito boa!
- E porque não quer ser padre, Danielzinho?
- Olhem que pergunta! Não quero ser padre, porque não quero, porque gosto de ti e porque, afinal de contas, hei-de vir a casar contigo.
- Ora!
- Hei-de sim. Verás.
E, dizendo isto, passou familiarmente o braço pelo pescoço da pequena Guida, e pousou-lhe na fronte um beijo, que ainda nem sequer a fazia corar.