As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 4: IV Pág. 21 / 332

Daniel foi o primeiro a romper o silêncio.

- Então vês como a soubeste até ao fim? E cantaste-a tão bem!

- Ora!

- Mas é noite, Guida. Repara. Olha que são horas de tu ires juntando o gado.

E acrescentou, suspirando melancolicamente:

- Daqui a pouco estou eu de volta com o meu latim! E que lição tamanha me marcou o padre para amanhã!

- Então de que tamanho é?

- Olha; vai vendo - disse Daniel, abrindo a Selecta e mostrando a Margarida as folhas que o reitor lhe marcara para estudar.

- É esta lauda... e esta... e esta, até aqui.

- E então isso que diz?

Conta a vida lá de uns generais antigos, que fizeram guerras e mortes e que quase sempre se matavam a si, quando os não matavam a eles.

- E para que é preciso que saiba essas histórias quem quer ser padre?

- Eu sei lá. Mas que estás tu a dizer? Padre! padre! Não me fales em ser padre, Guida. Eles cuidam que eu quero mesmo ser padre. Estou querendo.

- Então?

- Ora, quando chegar a ocasião eu lhas cantarei. Ainda está por nascer o barbeiro que me há-de abrir a coroa. O tio João das Bichas disse-me no outro dia - a rir, já se sabe - que já tinha em casa uma navalha afiada para isso; eu fui-lhe dizendo que bem deixava então navalha para o barbearem em morto.

- Mas o seu pai mata-o!...

- Meu pai? Deixa-te disso. Meu pai não há-de querer fazer-me padre à força.

- Mas o Sr. Reitor?

- O Sr. Reitor não é cá chamado. Que se meta com a sua vida.

Ora é muito boa!

- E porque não quer ser padre, Danielzinho?

- Olhem que pergunta! Não quero ser padre, porque não quero, porque gosto de ti e porque, afinal de contas, hei-de vir a casar contigo.

- Ora!

- Hei-de sim. Verás.

E, dizendo isto, passou familiarmente o braço pelo pescoço da pequena Guida, e pousou-lhe na fronte um beijo, que ainda nem sequer a fazia corar.





Os capítulos deste livro