As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 4: IV Pág. 19 / 332


De pequenina nos montes
Não tivera outro brincar,
Nas canseiras do trabalho
Seus dias vira passar.

- Assim como tu - disse Daniel.

Margarida sorriu, fazendo com a cabeça um movimento afirmativo, e continuou:


Sentada no alto da serra,
Pôs-se a cabreira a chorar.
Porque chorava a cabreira,
Ides agora escutar:


«Ai! que triste a sina minha,
«Ai! que triste o meu penar,
«Que não sei de pai nem mãe,
«Nem irmãos a quem amar.


«De pequenina nos montes
«Nunca tive outro brincar.
«Nas canseiras do trabalho
«Meus dias vejo passar.»


Mas ao desviar os olhos,
Viu coisa que a fez pasmar.
Uma cabra toda branca
Se lhe fora aos pés deitar.

- Assim, pouco mais ou menos - disse Daniel, pousando a cabeça nos braços encruzados sobre as urzes do chão.

Margarida prosseguiu:


Branca toda, como a neve,
Que nem se deixa fitar,
Coberta de finas sedas,
Que era coisa singular!

E, maliciosamente, com um sorriso de travessura infantil, passou os dedos por entre os cabelos de Daniel.


Nunca a tinha visto antes
No seu rebanho a pastar,
E foi a fazer-lhe festa...
E foi para a afagar...

E continuava a correr as mãos pela cabeça do seu jovem companheiro, que sorria.


Eis vai a cabra fugindo
Pelos vales sem parar;
Ia a cabreira atrás dela,
Mas não a pôde alcançar.


E andaram assim três dias
E três noites, sempre a andar!
Até que às portas duns paços
Afinal foram parar.


Chorava o rei e a rainha
Há dez anos, sem cessar,
Que lhe roubaram a filha
Numa noite de luar.


E dez anos são passados
Sem mais dela ouvir falar.
Eis chega a cabreira à porta,
À porta se foi sentar.





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