- Não serás; nunca o foste. Agora sou eu que devo ordenar. A minha tenção é firme.
- Então, Clara!
- Escolhe. Não sejas má contigo e com ele.
- Com ele! - repetiu Margarida, sorrindo amargamente.
- Com ele sim, que te ama.
- Para que afirmas o que sabes que é mentira?
- Não é. Há pouco vi-os, como te disse; vi-os, a Pedro e a Daniel, encontrei-os por acaso. Ai, Guida, que momento aquele! Se soubesses como tremia! Eu a ver Pedro constrangido diante de mim! Sem poder dizer-me uma palavra; ai, como me custou fingir! Não sei o que me não deixou lançar-me aos pés dele e pedir-lhe perdão. Depois o Pedro retirou-se para o lado. Daniel então falou-me de ti, disse que viera conversando com o irmão a teu respeito; Pedro teimava com ele para que casasse contigo; e Daniel respondia- lhe, comovido, que seria para o seu coração grande ventura, mas que tu recusaras. Que ele via agora a razão por que tão de repente te amara assim...
- Deve ser uma razão, bem conhecida dele, que tantas vezes a tem sentido com outras - observou Margarida, com a mesma expressão de amargura.
- Não digas isso, má. Daniel recordava-se de tu teres sido a sua companheira, em criança; lembrava-se que fora quem te ensinara a ler, quando te ia procurar ao monte, onde, sozinha, passavas os teus dias a guardar os rebanhos de nossa casa.
Margarida suspirou, ao ver assim avivadas as imagens daquele tempo.
- De tudo se lembrava Daniel, e tudo me repetia, o que cantavas, o que lhe dizias, os vossos projectos e até os vossos arrufos. E afligia-se o pobre rapaz tanto, que se o visses, Guida, se o visses... depois, quando se recordava da maneira por que respondeste ao seu pedido, e de como havia pouco, dizia ele, o tinhas outra vez rejeitado; quando pensava em que o não amavas já, ficava tão triste, que metia pena.