- Pois que esperem, Sr. Miguel. O patrão está a dormir, e eu não o vou acordar, por causa disso. De mando de quem vem?
- Diz que das do Meadas.
- Ai, então é a pedir por algum pobre. Não fazem outra coisa as raparigas. Têm vagar. Destas fortunas é que nos aparecem. Mas a carta não vem fechada... Ó menino, então leia-a.
- Porém... - ia a observar Daniel.
- Não tem dúvida, pode ler. Isto não é de segredo.
Obedecendo às instâncias de Joana, Daniel abriu a carta e leu:
«Meu bom Sr. João Semana:
- Isso - anotou a criada. - Façam-lhe a boca doce.
Daniel continuou lendo:
«O nosso pobre doente está mal, muito mal. Corta o coração vê- -lo padecer assim. Se não for possível salvá-lo, ao menos que se não veja desamparado ao morrer. É tão compadecido o seu coração, Sr.
João Semana, abre-se tão depressa à caridade, que me atrevo a pedir-lhe que venha ver este desgraçado. A consciência lho pagará.
Da sua respeitosa amiga, Margarida» - Bonitas palavras! - disse Joana - não tem dúvida nenhuma; o pior é que se não aduba o caldo com elas.
- De quem é esta carta? - perguntou Daniel. - Eu já ouvi este nome de...
- Olhem quem o pergunta! Pois de quem é ela, homem de Deus, senão da irmã de sua cunhada, da que há-de ser?
- Ah! bem me parecia. Mas... da irmã! e ela escreve assim? - continuou Daniel, admirado da boa ortografia e singeleza de frase da carta, que tinha na mão, e para a qual tornou a olhar.
- Pois que julga que é essa rapariga? Bem digo eu, que o menino já se esqueceu de todo da terra. Então saiba que não há aí quem se ponha ao lado da Margarida, em falar e escrever. Este homem, por quem elas pedem... - e, interrompendo-se: - É verdade, ó Miguel! - disse para o criado - vai dizer que ficou entregue, anda.