As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 23: XXIII Pág. 153 / 332

XXIII

Tomando certos ares de gravidade e de importância, em grande parte devidos a uns estupendos colarinhos, engomado acessório daquele vestuário típico, dobrou o Sr. João da Esquina a esquina, donde lhe vinha o nome, e atravessando a rua adjacente, caminhou em direcção à casa de José das Dornas.

Ao entrar o portão do lavrador, deu o tendeiro ao rosto um jeito de indignação e procurou simular em seus movimentos uma impetuosidade e impaciência, contra as quais estava protestando aquele todo bonacheirão.

- Diga ao Sr. José das Dornas que está aqui o João da Esquina, que lhe quer duas palavras - foi como, em tom desabrido, ele se mandou anunciar pelo primeiro criado que viu.

José das Dornas, que acabara de dormir uma sesta refociladora, veio ter com o seu vizinho, com rosto alegre e cantarolando:


Ai, la ri ló lé la,
Eu vou pela mansidão.

- Olá - bradou o jovial lavrador, vendo o tendeiro. - Viva o Sr. João! Ditosos olhos que o vêem! Como vai essa bizarria? Sente- -se; esteja a seu gosto. Vai um copito do rascante?

- Muito obrigado - respondeu secamente João da Esquina.

- Pois mal sabe o que perde; é daquele de esfolar o céu da boca. Então que milagre o traz por esta sua casa?

- Um negócio muito sério.

- Temos empréstimo - disse, em aparte, José das Dornas; e alto: - Muito sério?! O caso é que você traz cara de funeral. Ah! ah!...

- Tenho pouca vontade de rir, Sr. José.

- Mau é isso. Então que diabo o aflige? Desembuche para aí.

Olhe que eu sou homem para as ocasiões. A sua filha está pior?

- A minha filha está boa - replicou, com certo mau modo, o tendeiro.

- Boa! Com que então... logo à primeira... hem? O meu Daniel saiu-se como um homem!

- Saiu-se optimamente - disse João da Esquina, de uma maneira, que procurou fazer notável.





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