- Olhe que me tem esquecido emprestar-lhe o livro do rapaz - continuou José das Dornas, que não notara a tal maneira - aquele em que falei; mas espere, que eu vou...
Ia a levantar-se, porém um gesto do seu interlocutor fê-lo parar.
- Não tenha incómodo. É de outra obra de seu filho, que eu lhe quero agora falar.
- Doutra?
E José das Dornas principiou a dar mais atenção aos modos esquisitos do tendeiro.
- Homem, você hoje não sei que tem consigo! Não o entendo.
Em vez de responder, João da Esquina pôs-se a mexer nos bolsos e tirou de lá um papel cor-de-rosa, pequeno, elegante, lustroso e aromatizado; desdobrou-o e, pondo-o diante dos olhos do lavrador, disse-lhe simplesmente:
- Ora, faça favor de ler isto.
- Mas isto o que é?
- Leia e verá.
Era fácil dizer «leia»; mas não de pequena dificuldade para José das Dornas a tarefa, que com essas palavras lhe impunham.
- Homem, é melhor que você me diga o que é isto, do que...
- Nada, não, senhor. Leia.
- Valha-o Deus! - disse o bom do lavrador, afastando o papel dos olhos quatro palmos, para o poder ler; não o conseguindo, tirou do bolso umas cangalhas, das quais armou o nariz, depois de ter lançado para o interlocutor um olhar, que valia um recurso, para tribunal de última instância, contra uma sentença de morte.
- «Trigueira» - leu ele, logo no topo da página e voltou para o tendeiro olhos de espanto.
- Trigueira! Que quer dizer isto?
- Homem, leia, leia, que o saberá.
José das Dornas continuou, já se imagina como. Eu evitarei ao leitor o assistir às verberações, que ele aplicou à prosódia portuguesa.
Eis o que leu:
Trigueira! que tem? Mais feia
Com essa cor te imaginas?
Feia! tu, que assim fascinas
Com um só olhar dos teus!
Que ciúmes tens da alvura
Desses semblantes de neve!
Ai, pobre cabeça leve!
Que te não castigue Deus.