- Imagina tu, aquela janela, o Sol; eu, a Lua; e tu, a Terra.
Ora bem; põe-te a andar para a esquerda.
- Mas, se a janela é que é o Sol, que ande a janela.
- Não há tal; pois a Terra é que anda.
- Como! Então o Sol não é que anda?
- Não, homem. O Sol está parado.
O criado deu uma risada.
- Muito obrigado. Para ver o Sol andar, olhe que não é preciso ir ao Porto. Vê-se mesmo de cá.
O passatempo principiava já a enfastiar Daniel.
Veio interrompê-lo a propósito uma criança de nove anos, filha do seu interlocutor, a qual, tendo ouvido a voz do pai, entrou, sem cerimónia, pelo quarto dentro. Ao ver porém Daniel, parou como hesitando.
- Vem cá, pequena, vem cá - bradou-lhe Daniel, que naquele momento recebia com prazer toda a qualidade de diversão. - Não tenhas vergonha, vem cá. Toma um biscoito.
A pequena ganhou ânimo com a oferta, e dentro em pouco estava a comer biscoitos, familiarmente sentada junto de Daniel.
- Então como se diz? - perguntava o pai; e, como ela não respondesse, respondeu ele próprio: - Muito obrigada, Sr. Daniel.
- Tu como te chamas, pequena? - perguntou Daniel.
- Rosa.
- Uma criada de V. S.ª - emendou o pai.
A pequena dispensou-se de repetir.
- Olha - continuou Daniel, tomando-a ao colo - diz-me uma coisa, que é de tua mãe?
- Está em casa.
- E tu gostas dela?
- Gosto.
- Gosto, sim, senhor - emendou o pai.
- E do teu pai?
A criança olhou para o pai e pôs-se a rir.
- Dize assim - disse-lhe este - também gosto, sim, senhor.
- Também gosto - repetiu a pequena, suprimindo, como uma inútil excrescência, o resto da frase.
- Mas o teu pai é um tratante.
A criança sorriu.