As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 24: XXIV Pág. 167 / 332

Alguma coisa se há-de tentar na aldeia, em uma longa tarde de estio.

- Imagina tu, aquela janela, o Sol; eu, a Lua; e tu, a Terra.

Ora bem; põe-te a andar para a esquerda.

- Mas, se a janela é que é o Sol, que ande a janela.

- Não há tal; pois a Terra é que anda.

- Como! Então o Sol não é que anda?

- Não, homem. O Sol está parado.

O criado deu uma risada.

- Muito obrigado. Para ver o Sol andar, olhe que não é preciso ir ao Porto. Vê-se mesmo de cá.

O passatempo principiava já a enfastiar Daniel.

Veio interrompê-lo a propósito uma criança de nove anos, filha do seu interlocutor, a qual, tendo ouvido a voz do pai, entrou, sem cerimónia, pelo quarto dentro. Ao ver porém Daniel, parou como hesitando.

- Vem cá, pequena, vem cá - bradou-lhe Daniel, que naquele momento recebia com prazer toda a qualidade de diversão. - Não tenhas vergonha, vem cá. Toma um biscoito.

A pequena ganhou ânimo com a oferta, e dentro em pouco estava a comer biscoitos, familiarmente sentada junto de Daniel.

- Então como se diz? - perguntava o pai; e, como ela não respondesse, respondeu ele próprio: - Muito obrigada, Sr. Daniel.

- Tu como te chamas, pequena? - perguntou Daniel.

- Rosa.

- Uma criada de V. S.ª - emendou o pai.

A pequena dispensou-se de repetir.

- Olha - continuou Daniel, tomando-a ao colo - diz-me uma coisa, que é de tua mãe?

- Está em casa.

- E tu gostas dela?

- Gosto.

- Gosto, sim, senhor - emendou o pai.

- E do teu pai?

A criança olhou para o pai e pôs-se a rir.

- Dize assim - disse-lhe este - também gosto, sim, senhor.

- Também gosto - repetiu a pequena, suprimindo, como uma inútil excrescência, o resto da frase.

- Mas o teu pai é um tratante.

A criança sorriu.





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