As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 1: I Pág. 2 / 332

O sangue materno girava-lhe mais abundante nas veias, do que o sangue, cheio de força e vida, ao qual José das Dornas e Pedro deviam aquela invejável construção.

Votar Daniel à vida dos campos seria sacrificá-lo. Apertava-se o coração do pobre pai, ao lembrar-se que os sóis ardentes de Julho ou os tufões regelados de Dezembro haviam de encontrar sem abrigo aquela débil criança, que mais se dissera nascida e criada em berços almofadados e sob cortinados de cambraia, do que no leito de pinho e na grosseira enxerga aldeã.

E desde então, desde que pensou nisto, uma ideia fixa principiou a laborar no cérebro daquele pai extremoso e a monopolizar- -lhe as poucas horas que o trabalho não absorvia.

De vez em quando o encontravam os amigos deveras preocupado, o que, sendo nele para estranhar, excitava curiosidades e receios e desafiava interrogações.

O reitor foi um dos que mais se importou com a preocupação do nosso homem.

Era este reitor um padre velho e dado, que há muito conseguira na paróquia transformar em amigos todos os fregueses. Tinha o Evangelho no coração - o que vale muito mais ainda do que tê-lo na cabeça.

A qualidade de egresso não lhe tolhia o ser liberal de convicção.

Era-o como poucos.

- Ó homem de Deus - disse pois o reitor um dia, resolvido deveras a sondar as profundezas daquele mistério - que tens tu há tempos a esta parte? Que empresa é essa em que me andas a cismar há tantos dias?

- Que quer, Sr. Padre António? Um homem de família tem sempre em que cuidar; tem a sua vida e tem a dos filhos.

Foi a resposta que obteve.

- Ora essa! - insistiu o padre. - Bem alegre te via eu, e em tempos mais azados para tristezas, e bem alegres vejo muitos com bem outras razões para o contrário.





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