As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 29: XXIX Pág. 206 / 332

Às vezes era uma rapariga tímida e acanhada, que não queria cumprir a sentença; e então todas as vozes se reuniam a exigi-la; e ela a recusar-se, e os vizinhos a empurrá-la, e todos a aplaudirem, e a rapariga, sorrindo e enleada de confusão, a correr a roda, e alta vozeria a celebrar com ovações a vitória sobre a rebelde; outras, era um velho ou velha, a quem faziam tropeçar, ao abaixar se para dar o abraço, e que depois cobriam desapiedadamente de montes de folhelho, com aprovação e coadjuvação geral da parte jovem dos serandeiros; outras, um rapaz destemido, que, pela terceira vez reclamava abraços, e contra o qual se tramava uma conspiração mulheril, a contestar-lhe a legalidade das pretensões, acusando-o de fraude e de trazer de casa as espigas vermelhas, de que se valia; animava-se então a discussão, mas afinal sempre se davam os abraços.

Todos porém aceitavam as excepcionais liberalidades desta noite de tradicional folgança, com a consciência de que não poderiam nunca fazê-las valer a justificar ulteriores e mais arrojadas aspirações.

Havia porém um espectador e actor destas cenas nocturnas que, por circunstâncias, fáceis de prever, não estava muito de ânimo a receber com a mesma frieza as concessões do estilo.

Esse era Daniel.

Havia muitos anos que ele não tomara parte nestes serões, de forma que, ao participar dos privilégios, que, só em ocasiões tais, lhe podiam ser concedidos, não conservava, no mesmo grau que os seus companheiros, a tranquilidade de espírito e a frieza de ânimo, com que os outros contavam, ao sair dali, dormir um sono sossegado e livre de pesadelos.

Todos poderiam receber duma rapariga um abraço e esquecê-lo logo depois; Daniel é que dificilmente conseguiria afazer-se a isso.





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