Caçador, que vais à caça,
Muito bem armado vais;
Os olhos levas por armas;
E, em vez de tiros, dás ais.
Ora esta era uma das vezes, em que Daniel voltava a casa sem uma vítima da sua espingarda, que nem chegara a descarregar.
A cantiga do aldeão irritou-o; pareceu-lhe que era uma alusão insolente; mas teve a prudência de se não dar por entendido e passou sem dizer nada.
No dia seguinte, porém, reproduziu-se o facto.
Voltando outra vez, e à mesma hora, de uma caçada, igualmente incruenta, ouviu de novo o jornaleiro cantar:
Singular caçada a tua,
Arrojado caçador,
Que, em lugar de penas de aves,
Só trazes penas de amor.
Era demasiada a ousadia para que Daniel a sofresse. Parou e olhando para o homem, o qual, de atento que estava na tarefa nem parecia dar por ele, dirigiu-lhe a palavra:
- Ó maroto!
O jornaleiro fingiu reparar então pela primeira vez em Daniel e levando a mão ao chapéu, disse, cortejando:
- Nosso Senhor lhe dê muito boas-tardes. O patrão quer alguma coisa?
- Quero avisar-te que andarás com juízo se deres outro jeito às tuas cantigas quando eu passar por aqui.
- Então que cantava eu? Já nem me lembra, se quer que lhe fale a verdade.
- Pois, se terceira vez te escutar, eu te prometo que to gravarei melhor na memória.
E dizendo isto, prosseguiu Daniel no seu caminho.
A prudência do homem aconselhou-o a que não cantasse mais; porém, em compensação, foi daí em diante um dos mais atendidos oradores dos diferentes círculos, onde a vida de Daniel era discutida, com aquele ardor de curiosidade e de bisbilhotice, própria da aldeia.
A Margarida não dava também pouco que pensar a frequência, com a qual Daniel lhe passava à porta.