Sabia já que ele tinha tomado parte na esfolhada, e quase tudo o que sucedera então. O resto talvez que o adivinhasse, conhecendo, como conhecia, o carácter de Clara e os actos irreflectidos que por vezes a prejudicavam.
Além disso, certos indícios, que não escapam à perspicácia de vistas de uma mulher que observa outra, começavam a dar-lhe canseira.
E tinha razão para esses receios. Mais alguém os concebera já.
Um dia, o reitor, voltando para casa, encontrou Daniel, a cavalo, debaixo das janelas de Clara e conversando animadamente com ela. O padre não gostou muito disto; e logo lhe veio à ideia a primeira e as sucessivas proezas do seu antigo discípulo. Cortejou- -os e passou para diante sem dizer palavra.
Encontrando-se, porém, a sós com Clara, pouco tempo depois, foi-lhe dizendo com diplomático ar de naturalidade estas palavras ambíguas:
- «Escuta, ó Clarita, olha que um enxoval é uma coisa séria.
Todos os cuidados e atenções são poucos, quando se está trabalhando nisso; e tu, minha filha, distrais-te algum tanto. Se eu estivesse no teu lugar, nem trabalhava à janela. É tão fácil a distracção aí!» Clara respondeu de um modo galhofeiro, como costumava. Era- -lhe difícil tomar alguma coisa a sério.
O padre procurou depois Margarida e disse-lhe:
- «Lembras-te do que te recomendei há tempos, Margarida?
Não tires as vistas de Clara. É uma espionagem necessária e para bem dela; por isso não deves ter escrúpulos em fazê-la.» - «E porque me repete agora outra vez essa recomendação, Sr.
Reitor?» - «Eu cá me entendo. Faze o que te digo, Margarida.» E, ao retirar-se, dizia consigo o bondoso pároco:
- «Também não sei que demoras são estas com o tal casamento!
É preciso dar aviamento a isto.» As palavras do reitor aumentaram a preocupação de Margarida, parecendo vir justificá-la.