Eu, a cada passo, estava a parar; parecia-me por toda a parte ver fojos e barrancos, e tu rias-te de mim e seguias sempre para diante, com uma confiança naquela escuridade, como se realmente tudo fosse estrada direita.
- E olha que não caí! - acudiu intencionalmente Clara, que julgou principiar a compreender o sentido das palavras da irmã.
- Não; é certo que não. Parece que há alguma estrela que protege quem é assim animoso; como se todo esse ânimo não fosse outra coisa senão a mão do anjo da guarda a guiá-lo, sem se mostrar.
Mas olha; lembras-te quando uma vez, voltando assim de noite a casa e sem escolher caminho, vieste dar aos lameiros dos Casais? Viste-te obrigada a tornar para trás, e, como se adiantava a noite, tiveste de ir ficar a casa de tua madrinha, nos Cabeços.
Que susto que eu tive. Santo Deus! se eram já altas horas, e tu sem chegares!
- É verdade. E por sinal, que me mandaste procurar.
- Mandei. Imagina lá como eu fiquei, como ficámos nós todos, quando, sendo quase madrugada, nos voltaram a casa com uma das tuas argolas das orelhas, que tinham encontrado meia enterrada nos lameiros.
- Tinha-me caído lá, tinha.
- Julgámos-te perdida, morta. Ainda não havia muito que lá morrera afogado aquele pobre cabreiro. Hás-de estar certa? Que noite passei, Nossa Senhora! E tu...
- E eu a dormir muito descansada em casa de minha madrinha.
Pudera não. Imagina tu que eu tinha andado... léguas talvez.
- Mas aí está como, sabendo-te salva tu, como dessa vez te sabias, os outros, por alguns sinais mentirosos, como aqueles, te podem julgar.