As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 31: XXXI Pág. 220 / 332

Tu andas no mundo, como de noite, pelos caminhos da aldeia. Não te lembras quando, no outro dia, saímos mais tarde de casa do nosso pobre mestre? Fazia muito escuro.

Eu, a cada passo, estava a parar; parecia-me por toda a parte ver fojos e barrancos, e tu rias-te de mim e seguias sempre para diante, com uma confiança naquela escuridade, como se realmente tudo fosse estrada direita.

- E olha que não caí! - acudiu intencionalmente Clara, que julgou principiar a compreender o sentido das palavras da irmã.

- Não; é certo que não. Parece que há alguma estrela que protege quem é assim animoso; como se todo esse ânimo não fosse outra coisa senão a mão do anjo da guarda a guiá-lo, sem se mostrar.

Mas olha; lembras-te quando uma vez, voltando assim de noite a casa e sem escolher caminho, vieste dar aos lameiros dos Casais? Viste-te obrigada a tornar para trás, e, como se adiantava a noite, tiveste de ir ficar a casa de tua madrinha, nos Cabeços.

Que susto que eu tive. Santo Deus! se eram já altas horas, e tu sem chegares!

- É verdade. E por sinal, que me mandaste procurar.

- Mandei. Imagina lá como eu fiquei, como ficámos nós todos, quando, sendo quase madrugada, nos voltaram a casa com uma das tuas argolas das orelhas, que tinham encontrado meia enterrada nos lameiros.

- Tinha-me caído lá, tinha.

- Julgámos-te perdida, morta. Ainda não havia muito que lá morrera afogado aquele pobre cabreiro. Hás-de estar certa? Que noite passei, Nossa Senhora! E tu...

- E eu a dormir muito descansada em casa de minha madrinha.

Pudera não. Imagina tu que eu tinha andado... léguas talvez.

- Mas aí está como, sabendo-te salva tu, como dessa vez te sabias, os outros, por alguns sinais mentirosos, como aqueles, te podem julgar.





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