- Esta vida da aldeia!... - exclamou Daniel, em tom de supremo enfado. - Esta vida de mexericos e de maledicências velhacas! Praga maldita das terras pequenas, onde faltam coisas sérias em que pensar! Ora vejam no que esta gente se ocupa! em saber o que eu faço, como vivo, para onde vou, com quem converso; e isto entretém-na! Então repararam já em eu passar por aqui?
Como se não fosse coisa muito natural, conversar consigo, Clarinha.
Pois não somos nós parentes quase?
- Isso dizia eu à...
Um sinal de Margarida obrigou-a a interromper-se. Limitou-se a dizer, mutilando a frase e mudando de inflexão:
- Isso dizia eu.
- Afinal, não há como viver na cidade - continuava Daniel. - Lá pode um homem conversar com uma senhora, apertar-lhe a mão até, que ninguém repara nisso. Aqui, andam a espiar tudo que se faz e a tomar tudo a mal. Que costumes estes!
E Daniel prosseguiu numa longa imprecação contra a vida campestre, exaltando a urbana, o que demorou, ainda por muito tempo, a conversa.
No fim dela, renovou Clara o pedido e conseguiu que Daniel, depois de alguma resistência, lhe dissesse a sorrir:
- Pois bem; esteja certa de que eu farei com que não falem de mim. Não me hão-de ver mais aqui.
E partiu.
- Estás satisfeita? - perguntou Clara, voltando-se para a irmã, logo que o perdeu de vista.
- Não - respondeu esta.
- Porque não?
- Queria que fosses tu a que deixasses de aparecer e não lhe falasses assim.
- Por outra - tornou Clara, levemente despeitada - querias que eu fosse grosseira.
- Não - respondeu Margarida, abraçando-a - queria que fosses prudente.