As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 39: XXXIX Pág. 283 / 332

- Não sei como se pode gostar daquilo - disse desdenhosamente a menina Francisca.

- Deixe lá, menina - notou com ironia o sacristão, ainda despeitado.

- A Margarida não é para desprezar assim. É trigueirinha, mas nós todos sabemos que Daniel não desgosta delas, ainda mais trigueiras.

Francisca mordeu os beiços ao escutar a alusão e espetou a agulha no novelo das linhas; o pai lançou ao sacristão um olhar furibundo e descarregou com o martelo uma forte pancada nos pintos falsos, que, para escarmenta de velhacos, tinha cravados no mostrador; e a própria Sr.ª Teresa armou-se de um sorriso constrangido, pouco animador para o sacristão, e ao mesmo tempo apertou nervosamente uma orelha ao gato maltês, que dormitava acocorado junto dela, sobre um saco de arroz.

Muda, mas expressiva linguagem simbólica, que se podia traduzir assim:

A menina Francisca - Tinha alma de te atravessar o coração com esta agulha, maldito.

O Sr. João da Esquina - Não sei o que me contém, que te não quebre com este martelo quantos dentes tens na boca, brejeiro.

A Sr.ª Teresa - O que tu merecias era um puxão de orelhas, bem puxado, maroto.

No entretanto, o sacristão prosseguia imperturbavelmente:

- A tia Brásia disse-me que havia muito que Daniel não largava a porta das do Meadas. E isso é facto. Pelos modos, o Pedro soube-o, e ontem, se lho não tiravam das mãos, dava cabo dele.

- Mas então sempre havia alguma coisa com Clara também?

- insistiu a Sr.ª Teresa, a quem a opinião crítica do narrador agradava, por mais escandalosa.

- Pois isso para mim é de fé - disse o sacristão.

Por este tempo tinha entrado na loja um jornaleiro, o qual, tendo ouvido as últimas palavras do diálogo, percebeu logo do que se tratava.

- Houve mosquitos por cordas esta noite lá para as minhas bandas, houve - disse o homem com sorriso malicioso.





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