João da Esquina, encolhendo os ombros, a afectar uns ares de dúvida, mas dando um pau de canela ao sacristão, que era perdido por gulodices.
- É o que eu lhe digo - insistiu este, chupando a casca aromática.
- Mas então porquê?
- A mim, contou-me esta manhã a tia Brásia, à missa primeira, que o Pedro pilhou o irmão a sair de casa das do Meadas, e disparou contra ele a espingarda. A tia Brásia afirmou-me que tinha ouvido o tiro.
- Agora me lembra que também ouvi um tiro esta noite - disse a Sr.ª Teresa, e acrescentou com a maior fleuma do mundo: - E matou-o?
- Não, não o matou; mas julgo que o feriu.
- Não se perde nada - disse laconicamente o Sr. João da Esquina.
- E é de perigo? - perguntou, um tanto inquieta, a menina Francisca.
- Sossegue, menina - respondeu o sacristão, despeitado pelo tom de voz, em que ela dissera isto. - Sossegue, que, ainda que lhe tirasse um olho, ficava-lhe outro para ver as raparigas da terra, que todas lhe fazem conta.
A petulância foi repelida por a menina com um gesto de soberano desdém.
- Mas então... - continuou a mãe - Diz-me cá, então o Daniel tinha assim entrada em casa das do Meadas? Como se entende isso?
- Ora como se entende isso? Pois não conhece ainda aquele melro?
- Mas era com a Clarita, então?
- Pelos modos, era com a Margarida, ao que dizem, mas... eu por mim, inclino-me a que era com ambas - respondeu o sacristão com a firmeza do historiador crítico, que decide eclecticamente entre duas versões de um facto controvertido.
- Com a Margarida?! - exclamou João da Esquina. - Pois com aquela cara de Nossa Senhora da Soledade... aqueles ares de santa... Eu sempre vejo coisas!
- São as piores - sentenciou a esposa. - Bem me fio em santidades.