As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 14: XIV Pág. 90 / 332

Dava-se nele uma necessidade de movimento e de agitação, à qual em vão fora resistir. Quem o quisesse ver morto, era condenálo à inacção, privá-lo daqueles sóis ardentíssimos e chuvas excessivas, a que, havia mais de meio século, andava sujeito.

Viam-no sempre alegre, da mesma alegria de José das Dornas, a alegria sem sombras.

Era perdido por anedotas, das quais podia dizer-se um repositório vivo. Os frades eram ordinariamente os seus heróis preferidos; contra eles tinha sempre um gracejo aparelhado e pronto a correr caminho.

Esta bossa anedótica é sempre de grande valor para o facultativo que aspira à vida clínica. Uma história contada a tempo, e com graça, vale bem três récipes, pelo menos.

Cirurgião dos pobres, por encargo oficial, era-o João Semana também, e sê-lo-ia sempre, por impulsos do coração, que lhe não deixava presenciar um infortúnio qualquer, sem simpatizar com o que o sofria, e sem empregar os meios para o aliviar.

Muitas vezes, na mão, que estendia ao pulso dos seus doentes, ia escondida a esmola, que manifestamente se envergonhava de dar, por aquela repugnância a ostentações de todo o género, que constituía um dos distintivos do seu carácter.

A conversa de João Semana com Daniel, não entendida, e por isso admirada pelos circunstantes, versou sobre medicina. As exaltadas crenças teóricas de Daniel, e a casuística inflexível e fria do velho prático acharam-se em conflito.

João Semana era céptico em relação à ciência moderna. Quando Daniel lhe citava um autor em voga, ou se referia a uma descoberta notável, ou a um medicamento novo, João Semana encolhia os ombros, sorrindo.

- Tudo isso é muito bonito - dizia ele, com poucas contemplações para com a impaciência do seu jovem colega - mas não me serve para nada.





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