Era o que me faltava se eu, que mal tenho tempo para dormir, me punha agora a ler essas coisas todas. Que nomes! que moléstias que eu nunca vi em sessenta anos de prática! Sabe você, Daniel? - eu penso que lá por fora, nessas terras grandes, há fábricas de moléstias novas, que felizmente por lá se gastam também; cá à aldeia não chegam: é o que lhe sei dizer. Você para cá virá, você para cá virá. - Há-de ver que na prática a coisa reduz-se a muito pouco; mais gástricas e menos gástricas e disse.
Daniel falou em mil assuntos: nos aperfeiçoamentos da análise médica, no microscópio, na electricidade, na química, na anatomia patológica, com um ardor de proselitismo, próprio da idade; chegou a persuadir-se que a sua eloquência conseguiria, enfim, vencer o indiferentismo teórico do clínico.
Recebeu, portanto, uma impressão desagradável, quando, ao terminar um bem elaborado período em honra da ciência moderna, obteve em resposta a frase do costume:
- Isso tudo é muito bonito, mas você para cá virá, você para cá virá, e então falaremos.
Nesta parte tornava-se, pois, impossível a conciliação. Era o antagonismo permanente entre a teoria e a prática, revelado em uma das suas multiplicadíssimas manifestações.
Mais arrojado, do que o empirismo de João Semana, era, sem dúvida, o sistema médico do barbeiro, que também tinha uma clínica na aldeia, à qual, para maior exemplo de observância à lei, pertenciam duas autoridades: o regedor e o presidente da câmara.
O barbeiro entrou risonho, cerimoniático, afável, modesto, penteado, felino - perfeita personificação do ideal do barbeiro - todo mesuras, todo senhorias, todo humildades, todo delicadezas velhacas.
E quantos estavam na sala o rodearam de atenções, e o próprio João Semana, com grande espanto de Daniel, o interrogou com referência a um doente, de que tratavam juntos.