Obrigado, honrado homem! Deus te pague com as alegrias de salvar da forca o futuro marido da tua querida menina. Mas olha, Norberto, sabes tu que nos custa deixar-te? Queres tu vir connosco? Queres ser um amigo da nossa família, um irmão que a tua probidade nos deu?
- Vem, vem, Norberto! - interveio Ricardina - e deixa à tua mãe e os teus sobrinhos o dinheiro que quiseres.
- Tudo que quiseres - confirmou Bernardo.
- Já, não posso ir... - disse o criado - , mas, passados alguns dias, lá vou ter onde estiverem Vossas Senhorias. Acho que ainda sou cá preciso... E, com isto, adeusinho. Não me posso demorar. Andem depressa com os arranjos, que não há tempo a perder. Não deixem nada de valor à vista dentro do palácio, porque o Sr. Abade tem lá por casa todos os criminosos e ladrões que não podem ir às suas terras, à espera da ocasião para fazer estardalhaço por essa Beira fora. Adeusinho, fidalga, até mais ver.
Ricardina e Bernardo abraçaram-no. Ao tempo que o cingia ao peito, o estudante introduziu-lhe na algibeira da jaqueta um rolo de dinheiro, que trouxera quando desceu com Ricardina. Norberto fez pé atrás e disse, tirando o rolo:
- Isto que é, Sr. Doutor?!
- É da tua mãe e dos teus sobrinhos. Se recusares aceitar o que é dos pobres, fazes uma ação má, e quase um roubo à tua família.
- Pois, bem haja! - disse Norberto. - Bem pobrinhos são todos!
E retirou-se a depor nas mãos da sua mãe todo o dinheiro recebido, dizendo-lhe:
- Peça muito a Nossa Senhora que guarde esta boa gente dos seus inimigos.
A família de Bernardo esperava ansiosíssima as novidades levadas por Norberto. O ancião, que ainda ignorava as ameaças que rodeavam os filhos, assim que ouviu dizer que iam fugir, e a casa havia de ficar abandonada ao saque, rompeu em clamores, pedindo a Deus que lhe acabasse a velhice tão amargurada.