As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 28: XXVIII Pág. 194 / 332

A onda económica adianta-se rápida; dentro em pouco inundará os campos. Dêem-se pressa os que ainda quiserem conhecer as velhas usanças, para as quais está já a soar a derradeira hora.

De há muito gozavam de apregoada fama as esfolhadas em casa de José das Dornas.

A impulsos do seu génio prazenteiro, o velho lavrador pusera em costume o observar-se pontualmente o rito destas festividades campestres.

Não havia ali isentar-se ninguém de cumprir a sentença a que a sorte o sujeitasse, sob pena de ignominiosa expulsão do grémio e perpétua exclusão de festas semelhantes.

Homens e mulheres, crianças e velhos, amos e criados, todos fraternizavam, todos se nivelavam aquela noite para se abraçarem ou beijarem e até dançarem por fim.

Quem não gostava disto era o reitor, o qual todos os anos, por este tempo, mimoseava com uma longa pregação o seu amigo José das Dornas, mas sempre sem nada conseguir.

Os costumes populares, as práticas tradicionais encontravam no lavrador um apego, quase igual ao que tinha para as crenças religiosas. Parecia-lhe um sacrilégio o infringi-los.

Debalde o reitor lhe dizia:

- Acaba-me com essas folganças, José. Isso é a perdição de muita gente. Não sei como tu, homem sisudo, te pões assim a brincar com as crianças e com os moços em termos de te perderem o respeito.

José das Dornas limitava-se a responder-lhe:

- Ó Sr. Reitor, deixe lá. Uma vez é uma vez. Beijos e abraços, quanto mais às claras, menos perigosos são. Daqueles, que se dão às escondidas, é que é o ter medo. Enquanto ao respeito, sossegue que, quando for preciso, eu sei como ele se faz ter aos atrevidos. E depois, que quer? Eu fui criado nisto.

Este último argumento é sempre o mais irresistível da lógica do nosso homem dos campos.





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