Qual dos dois velhos tinha razão? Eu sei lá? A falar verdade, não acredito demasiado na inocência daqueles abraços e beijos e muito menos na de alguns que, por motivos particulares, se dão mais do coração e mais tempo se prolongam; mas é também certo que, evitando as esfolhadas, muitas ocasiões se oferecem ainda duma pessoa se perder, e alguma razão tinha José das Dornas ao dizer que estas coisas, na presença de espectadores, se despojam de grande parte da sua gravidade.
Desta vez deviam ser as esfolhadas em casa da família Dornas dignas da sua tradicional nomeada.
A pedido de Pedro, foi convidada muita gente. Encarregou-se ele mesmo de formar a lista, a qual naturalmente abriu com o nome de Clara.
Clara recebia sempre com alegria convites da natureza deste.
Margarida quis dissuadi-la de aceitar.
- Que vais fazer, Clarinha? - disse-lhe ela. - Olha eu, se fosse a ti, não ia. Afinal, por mais que digam, sempre nessas esfolhadas há liberdades e costumes, que... que...
- Sabes, Guida? - respondia-lhe Clara - se todos se fossem a levar por os teus conselhos, e a dar atenção aos teus medos, pode ser que o mundo andasse muito bem guiado - e andava decerto - porém morria-se de aborrecimento por aí. E ver que nem me queres deixar ir à esfolhada em casa de meu marido, e quando é ele mesmo que me convida!
- E quem sabe se mais estimaria que não fosses?
- Qual! Estás enganada. Supõe-lo como tu. Eu bem o digo! Olha, minha Guida, tu não servias para casada. Fazias-te ainda mais sisuda do que és, sisuda e séria que nem uma abadessa do convento, e depois havias de querer que o teu homem fosse sisudo e sério como tu.
- Vai, vai, Clarinha; nem eu to posso impedir. Mas, se queres que te fale a verdade, fico sempre a tremer, quando te vejo sair para estes serões.